A Polícia Federal (PF) fez ontem uma série de prisões e apreensões durante a investigação de uma rede de corrupção instalada na Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), que inclui funcionários do alto escalão do órgão e até do governo do Estado. A “Operação Alvorecer”, envolveu a prisão de vários funcionários do órgão, para impedir a destruição de provas que poderiam prejudicar as investigações. Os mandados foram expedidos pela 9ª Vara da Justiça Federal da capital.
Segundo a PF, as investigações iniciaram na “Operação Delta”, deflagrada no dia 13 de abril passado, para o combate ao desmatamento e ao comércio ilegal de madeira na Região Metropolitana de Belém, quando foram constatadas a participação de servidores da Sema na rede de corrupção. A intenção era chegar ao comando do grupo criminoso. A investigação descobriu que o esquema baseava-se na aprovação ilegal de vistorias e de licenças para a exploração de madeira e planos de manejo, com o pagamento de propina por madeireiros aos servidores da Sema.
A ação da quadrilha consistia no esquema de “esquentar madeira”, com a negociação de crédito e transporte fictício, para viabilizar o comércio de madeira ilegal. A fraude iniciava nos procedimentos e sistemas de controle de comercialização de produtos florestais da Sema, que é responsável pela aprovação das explorações, fiscalização, e o controle dos produtos explorados.
A facilitação e os pagamentos ilícitos se davam através de despachantes, que tinham íntima relação com os servidores. A corrupção era dividida em dois níveis: os funcionários de baixo escalão recebiam valores para desempenhar atos ou dar agilidade à tramitação de processos; e funcionários do alto escalão cobravam um percentual do valor total dos planos de manejo florestal para aprovar o plano.
Os presos são José Cláudio Moreira Cunha, ex-secretário adjunto da Sema, Walderson do Egito Sena, Sebastião Ferreira Neto, o “Ferreirinha“, Paula Fernanda Viegas Pinheiro e Dionísio Gonçalves de Oliveira. Paula é chefe do setor de Georeferenciamento da Sema. Walderson era despachante da secretaria. Dionísio era quem representava “Ferreirinha” em Belém. A PF ainda estava na busca de José Humberto Oliveira Madeira, o “Cabeça”.
Ferreira é presidente reeleito do clube de futebol Águia de Marabá. Além das prisões, a PF cumpriu mandados de busca nas residências de Shirley do Socorro Cosenza Duarte, Silvia dos Passos Rodrigues e Fernando do Livramento Diniz, além do ex-secretário da Sema e ex-superintendente do Ibama, Aníbal Pessoa Picanço. No apartamento dele, os policiais cumpriram busca na noite de quinta-feira.
Durante as investigações, constataram-se indícios de que o esquema também teria sido usado para apoio político durante a última campanha eleitoral. “A medida judicial atingiu as cinco pessoas que estariam diretamente envolvidas e mais aqueles com mandados de busca”, afirmou o delegado Fernando Berbert, da PF. Ele confirmou o interesse político na fraude. “Existe forte indício de influência política no período pré-eleitoral, com possível troca de favores”.
PROPINAS
Os esquemas envolviam desde servidores que recebiam R$ 500 para dar andamento em processos, até investigados que recebiam R$ 5 mil. Há aqueles que comandavam uma grande corrupção para a aprovação dos planos de manejo, onde o valor recebido pela fraude chegava a até 12% do valor comercializado pelo plano. Dos 400 planos de manejo analisados, pelo menos 200 estariam irregulares. O delegado não soube precisar o valor da fraude, mas estariam em milhões de reais. “Metade dos processos possuem irregularidades gritantes. São vários níveis de corrupção dentro da secretaria”.
O delegado disse que não podia citar nomes dos investigados, mas o DIÁRIO apurou que na lista de investigados da PF estariam o ex-chefe da Casa Civil e deputado federal eleito pelo PT, Cláudio Puty. Os policiais passaram o dia dentro da sede da Sema, levantando os documentos apreendidos, em sua maioria, processos de planos de manejo. A PF apreendeu ainda dinheiro em real e dólar, mas não informou a procedência, nem o valor apreendido. Apesar de alguns servidores se mostrarem surpresos, outros parecem nem estranhar mais: “Quem está agora na boca do furacão”?, perguntou uma servidora. A Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) informou que está à disposição para cooperar com as investigações da PF. A Sema disse que aguarda a conclusão da investigação para tomar as providências cabíveis.
Presidente do Águia preso em Marabá
Já está preso no Centro de Recuperação Agrícola Mariano Antunes o ex-vereador e presidente do Águia de Marabá, Sebastião Ferreira Neto, o Ferreirinha, preso ontem pela manhã na casa dele, em Marabá.
Segundo a PF, Ferreirinha, que até o segundo semestre deste ano coordenava o Centro Estratégico Integrado Regional (Ceir), usava sua posição política para realizar as fraudes, através de um intermediário no esquema.
Em Marabá, os agentes da PF foram coordenados pelo delegado Antônio Carlos Beaubrun Júnior. Eles chegaram de madruga na casa de Ferreirinha, mas só conseguiram entrar no imóvel depois que o advogado Antônio Quaresma chegou na casa do acusado.
Após quase duas horas de buscas, os agentes deixaram o imóvel e levaram um veículo Uno Mille vermelho, placa NSE-6634, de Marabá e documentos que devem ser periciados.
Ainda pela manhã, o acusado foi ouvido. O delegado informou que o inquérito corre em segredo de Justiça, motivo pelo qual não poderia repassar nada a respeito do depoimento dele. Limitou-se a repassar apenas as informações básicas a respeito do caso.
Quaresma, que defende Ferreirinha, disse que a prisão pode ter um cunho político, uma vez que o acusado é ex-vereador de Marabá. Para ele a medida é “descabida”, uma vez que Ferreirinha não tem, segundo ele, ligação com qualquer esquema de liberação de licenças ambientais, ou plano de manejo, embora tenha sido o coordenador do Ceir.
“Ele não tem nada a ver com qualquer esquema, o patrimônio dele é fruto da renda dele que, à época, era de R$ 3,6 mil por mês, então a meu ver essa medida é descabida”.
A reportagem tentou falar com Ferreirinha na PF, porém , ele foi lacônico: “Não vou falar nada”.
ESQUEMA DE CORRUPÇÃO
lSão dois processos ilegais: extração de madeira (a baixo custo, sem origem lícita) e liberação ilegal, além da obtenção de “créditos” junto aos sistemas de controle dos órgãos ambientais (Sema e Ibama), com a finalidade de permitir a venda dessa madeira, como se tivesse origem lícita. Na realidade, os créditos são de madeira “fantasma”.
A retirada de madeira pode ocorrer em duas situações, através de um Plano de Manejo Florestal (PMF). O pedido do PMF deve vir acompanhado de um inventário florestal (mapeamento das árvores da área), devendo a Sema fazer uma vistoria para verificar a existência e o volume dessas árvores. Em seguida, verificar se a proposta de exploração obedece às normas, para só então conceder a autorização, que é acompanhada de uma liberação de “créditos” no montante e nas espécies de madeira autorizadas, de forma que a empresa possui, paralelamente ao “saldo real” de madeira na mata ou no pátio, um volume correspondente em uma “conta corrente” controlada pela Sema. A presença desse “crédito” permite ao dono da madeira comprovar sua origem legal.
Assim, as fraudes ditas de “esquentamento de madeira” são aquelas em que o madeireiro consegue madeira ilegal e “legaliza” a madeira, por meio de créditos também obtidos de forma ilegal, o que permite o “esquentamento” da madeira.
Há envolvimento tanto do detentor do PMF, como do engenheiro florestal responsável pela elaboração do Inventário Florestal e do Plano de Manejo, e ainda dos servidores da Sema que aprovaram o PMF sem que haja condições para tal. Estando aprovado o PMF, e liberados os créditos, o detentor pode comercializá-los, emitindo Guia Florestal sem que haja o transporte efetivo daquela madeira, ou para o transporte de madeira de origem diversa da prevista no PMF.
ALVOS DA OPERAÇÃO
1 - José Humberto Oliveira Madeira Cabeça - prisão e busca;
2 - José Cláudio Moreira Cunha – prisão e busca;
3 - Walderson do Egito Sena – prisão e busca;
5 - Shirley do Socorro Cosenza Duarte - busca na casa;
6 - Sebastião Ferreira Neto, mais conhecido como Ferreirinha – prisão e busca;
7 - Anibal Pessoa Picanço – busca no apartamento;
8 - Sílvia dos Passos Rodrigues – busca no apartamento;
9 - Paula Fernanda Viegas Pinheiro. – prisão e busca;
11 - Fernando do Livramento Diniz – busca na casa.
(Diário do Pará)