O caso Battisti

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A década de 70 ficou conhecida na Itália como os “anos de chumbo”. Embora o país vivesse uma democracia desde 1945, grupos armados de esquerda e de direita queriam tomar o poder sem se submeter às urnas.
As Brigadas Vermelhas foi o grupo armado de extrema esquerda que cometeu o ato mais ousado contra a democracia italiana: em 1978 sequestrou e executou o primeiro ministro Aldo Moro.
Cesare Battisti, na década de 70, perfilou-se aos Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), um grupo de extrema esquerda: sua atuação rendeu-lhe a acusação de quatro assassinatos. Em um deles também foi acusado de balear gravemente um garoto de 13 anos, que ficou paraplégico.
Em 1987, Battisti foi condenado à prisão perpétua pela autoria dos quatro homicídios. Ele se declarou inocente durante o julgamento e a sua defesa insistiu que as provas que o condenaram basearam-se em delação premiada de ex-companheiros, que queriam diminuir as próprias penas.
Em 1981 Battisti fugiu da prisão rumo à Paris, onde viveu clandestinamente por um ano, quando tomou o rumo do México.
Em 1985, o socialista François Mitterrand chegou ao poder na França e declarou que os refugiados que praticaram “atividades terroristas na Itália até 1981 e que tivessem abandonado a violência" não seriam extraditados.
Ao voltar à França, Battisti foi preso em virtude de um pedido de extradição do governo da Itália: a Corte de Acusação de Paris, com base no decreto de Mitterrand, negou a extradição e o libertou.
A era Mitterrand terminou e ascendeu ao poder Jacques Chirac, que, discordando do indeferimento, apelou ao órgão máximo da República, o Conselho de Estado da França, que autorizou a extradição, alegando a nulidade do decreto de Mitterrand. Antes que Chirac assinasse o decreto de extradição, Battisti fugiu para o Brasil.
Em 2007 o governo da Itália apresentou ao Brasil o pedido de extradição, o que fez com que a justiça brasileira lhe decretasse a prisão preventiva.
Em 2009, o Supremo Tribunal Federal entendeu que era cabível a extradição, mas, definiu que a decisão final era prerrogativa do presidente da República.
Em 31 de dezembro de 2010, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, anunciou que o presidente Lula decidira não conceder a extradição.
Com base no decreto, publicado ontem no Diário Oficial da União, os advogados de Battisti demandaram-lhe a libertação, que deverá ser apreciada pelo STF após o recesso: é mero rito jurídico, pois que, cessados os motivos da prisão, não há outra decisão a ser tomada a não ser a expedição do Alvará de Soltura.
Não é possível alegar que Battisti combatia uma ditadura ao praticar os atos de terrorismo dos quais é acusado, pois, como dito no início, a Itália é um país democrático desde 1945. Não é possível alegar que o tribunal que o condenou era uma corte de exceção, pois que a justiça italiana segue todos os preceitos democráticos desde 1945.
Em favor de Battisti, como enxergou o STF, não há argumentos jurídicos. A decisão de Lula foi política: o ex-presidente não quis conviver com a dúvida de ter mandado um suposto inocente para a prisão perpétua.
A crise diplomática daí acalentada é debitada à conta da última imperícia da chancelaria brasileiro sob Celso Amorim, que deveria ter providenciado uma saída negociada para o imbróglio, como fez a Chancelaria turca, no caso Agca, com a Itália, e a Chancelaria Britânica no caso de Al-Megrahi, com a Líbia.
A República italiana esperava isto e se submeteria às exigências brasileiras em um decreto de extradição, portanto, embora exorbitando em sua nota de protesto, não lhe faltou razão ao proferi-la.
Seria de bom tamanho, já que ainda não de todo entornado o caldo está, que o novo Chanceler começasse a conversar em busca de arrefecer a temperatura que sempre se manteve ótima entre as duas repúblicas.


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