NO BLOG DO DIEGO SOUSA

Antropofagia política

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Antropofagia - s.f. Ato ou hábito de comer carne humana.

A televisão estava ligada, o livro estava aberto e um senhor franzino começara a falar. Abaixei os óculos e notei o entusiasmo na voz daquele pobre ao contar os benefícios que acabara de chegar a sua rua. Desliguei a Tv e voltei-me para os livros. Palavras, letras e um amontoado de rabiscos quando percebi que aquelas rugas de sofrimento não saiam de minha cabeça. Quando percebi que estamos sendo servidos para o almoço.
As trombetas tocaram e o ritual começou. Os índios largaram a nudez e aderiram a pompa da gravata. A comida do ritual somos nós, vestidos ou não, pobres ou pobres, gordos ou magros... Estamos prestes a virar o almoço dos maiorais.
Vivemos em uma batalha, lutamos por espaço e por direitos. Somos da tribo rival. Eles, os poderosos, lutam contra nós e quando vencem, expõem nossa carne todos os dias ao sol, nos desrespeitam da pior maneira possível – roubando a nossa dignidade, o nosso dinheiro, e a nossa esperança. 
Este rito dura, exatamente, quatro anos. Três deles são de guerra, de duelo. Os índios sempre atrás de escudos – seguranças particulares contratadas com o nosso dinheiro. Nós, pobres trabalhadores, desprotegidos até por uma lei que pagamos para ter. Sangues são jorrados, lágrimas derramadas e promessas desperdiçadas.
Contudo, o quarto ano chega para nos iludir. Os indígenas com alma européia fingem ser da tribo rival, da nossa tribo. Fingem nos ajudar, tapam uns buracos aqui, fazem uma pracinha ali, colocam uma placa de reforma em qualquer rua acolá. E acreditamos, ou melhor, nos conformamos. Pois para quem não tem nada – como aquele senhor da Tv – o pouco é muito. E isso basta, nem que seja por aquele ano, somente.
Mas o ano acaba e a comilança recomeça. A mesa está posta e o jantar está sendo cozido, frito, assado... O povo brasileiro mais uma vez serve de alimento para os burgueses sabichão que de nada sabem. E a primeira parte de nosso corpo em que eles começaram a degustar é o nosso bolso.


Comentário do Blog do Diego Sousa: esta crônica é do http://diasfreneticos.blogspot.com/ que é o blog da minha ex-vizinha e para minha grata surpresa Crônista de mão cheia Camila Miranda, recomendo a todos os meus leitores que acessem este blog que tem um conteúdo fantástico, aí está o link:
COMENTÁRIO DO BLOG
O texto da Camila Miranda tem um forte renço marxista no que diz respeiro à luta de classes, de um lado os pobres sofridos, de outro os "maiorais" ou burgueses. Esse pensamento é obsoleto, estudiosos como Max Weber e, depois negando os dois anteriores, Habermmas dinamitaram com essa percepção de que a força motriz da história é a economia que provoca a divisão de classes, e por isso uma classe é inimiga da outra, e daí vem a ideia de que o proletariado tem que provocar a revolução para chegar ao poder. Essa foi a tônica do século XX, porém no século XXI não cabe mais, a revolução técnica-científica-informacional, apresenta-nos novos paradigmas que não podem ser resolvidos com a perspectiva da luta de classes, na verdade isso pioraria as coisas.
O enfoque da luta de classes fez o Diego considerar, como ele mesmo disse, o texto da Camila "fantástico". De fato é um texto muito bom, principalmente pelo efeito que conseguiu com a metáfora da antropofagia e pelo estilo da Camila, não pelo cunho marxista, que na verdade é o que enfraquece o texto.
Entrementes, não republiquei este texto aqui para tecer-lhe minha análise, na verdade o postei pelo momento político de nossa cidade, o qual chamei atenção ontem: as lendárias obras de véspera de eleição.
A Camila é muito feliz quando diz: "Fingem nos ajudar, tapam uns buracos aqui, fazem uma pracinha ali, colocam uma placa de reforma em qualquer rua acolá. E acreditamos, ou melhor, nos conformamos. Pois para quem não tem nada – como aquele senhor da Tv – o pouco é muito. E isso basta, nem que seja por aquele ano, somente. " . É por isso que as obras eleitoreras fazem parte de nossa política, para quem não tem nada qualquer pouco é muito.