Belém por Luiz Mário de Melo e Silva

Esta cidade só não é o inferno como o definem seus teóricos porque é necessário haver total consciência de seu significado, coisa que a grande maioria carece. Da mesma forma que não é o paraíso, sugerindo haver um meio termo onde os ocupantes dessa faixa (a grande maioria) é tratada como algo a flutuar n’água que vai e volta ao sabor das ondas.
Esse ambiente é moldado por duas correntes de pensamento que dominam o mundo, ou seja, o idealismo e o materialismo. A primeira, controlada pelas igrejas e a segunda, pelas instituições econômica-financeiras, respectivamente, que convivem harmoniosamente.
Por um lado, o grande número de entidades religiosas, dos mais variados matizes, tende a fazer de Belém uma réplica da Idade Média, onde o povo tinha como condutor um pastor (perdão pela rima), a interpretar (criar) a realidade de acordo com sua doutrina (interesse) religiosa – ainda que a Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana tentasse impedir tal ambiente.
Pela religiosidade emanada dessa situação, há de se imaginar que todos estão sentados ao lado direito do criador. Portanto, no paraíso celestial.
Porém, do outro lado, há o que se poderia pensar como o pior dos mundos, segundo a visão dos religiosos, ou seja, o ambiente secular, materialista, onde os homens têm que suar para, com o fruto do suor, purgar seus pecados e garantir a sua e a manutenção dos seus (o que significa dizer que o trabalho é a pena pelo pecado, ou de outra maneira, ao se darem o trabalho de pensar e se alimentar por si só, como fizeram Adão e Eva, segundo as Escrituras Sagradas, ambos cometeram o pecado da desobediência, logo, o trabalho é pecado – assunto a ser abordado oportunamente).
Esse mundo materialista é dominado pelo dinheiro que seria seu legítimo representante por fundir todo significado de materialismo em algo de fácil transporte, como são as cédulas que representam as variadas moedas de cada país. É o capitalismo imperando.
É interessante observar que em Belém se desenrola toda a História do capitalismo, desde seu surgimento ao total desenvolvimento. E nela estão contidas as fases do sistema econômico, iniciando com a economia comercial (feiras), passando pela economia industrial (indústrias) e a economia financeira ou especulativa (bancos).
Na primeira fase, o mercado informal se assemelha aos antigos burgos de onde se originaram os burgueses e está localizado (e por isso tende a chamar maior atenção) em torno dos “castelos” (que em certo sentido são as mais antigas instituições político-jurídico-administrativo) que fundaram a cidade, sendo o centro econômico que, para muitos, se parece ao mercado persa da antiguidade, ou indiano.
Isso torna a cidade caótica justamente porque a ida ao centro inicia com levas de pessoas e veículos de hora em hora, a partir de seis horas da manhã, até o acúmulo total de veículos naquele espaço e tem o refluxo, com todos tentando voltar ao mesmo tempo, por volta das 17:30hs. Isso se agrava pelo excessivo número de automóveis circulantes que aumenta exponencialmente em oposição ao de vias de escoamentos. Ou seja, a bagunça se deve à velha prática de seguir a elite. Dúvidas?
Quanto às indústrias (segunda fase), as áreas litorâneas são as mais utilizadas, como ocorre por toda orla de Belém, sobretudo no distrito industrial de Icoaraci num velho conceito de indústria que se utiliza desse meio de escoamento de seus produtos com a produção tendo como finalidade o mercado exterior, ficando a degradação (crime) ambiental provocada por esse tipo de atividade com o distrito, num total descalabro com a população e o ambiente do entorno dessas indústrias, praticadas pelos curtumes e fábrica de farinha de detritos de pescado, por exemplo, que estão sendo acionadas na justiça por haverem poluído e matado o Rio Piraíba.
No que se refere aos bancos (último estágio), só está faltando algo semelhante à bolsa de valores, porque, como demonstrado em matérias jornalísticas, a especulação financeira, via empréstimo consignado, sobretudo aos servidores públicos municipal, estadual e federal é algo sem paralelo na História. Aliás, isso parece garantir o Banco do Estado do Pará (BANPARÁ).
Essas correntes continuam vigorosas na disseminação de seus princípios, mantendo a população prisioneira, num círculo vicioso sem aparente tempo para acabar.
Ou seja, se há algo que explique o caos que assola Belém é importante, então, observar de modo acurado os meandros dessas correntes e daí extrair a interpretação que a cidade se equilibra sobre a superestrutura ideológica, onde cada qual possui o controle de metade da sociedade, numa parceria inédita na História, como observado por ocasião do período ciriano.
É de conhecimento geral que a burguesia solapou a condição de centro do mundo, posição ocupada pela da Igreja Católica Apostólica Romana, apeando-a do poder e assumindo seu lugar.
Ora, na disputa para a conquista e manutenção do poder, a ação da burguesia sobre a Igreja Católica seria motivo para isolá-la ou – quem sabe – eliminá-la, mas não é isso que se verifica e no período da quadra nazarena, torna-se claro a mais esdrúxula parceria. Nela os adversários mortais de ontem são os mais harmoniosos sócios atuais no empreendimento de manter o povo em cativeiro sem que ele perceba.
No período de peregrinação da “santinha” os representantes da igreja levam-na para abençoar e angariar apoio de todas as instituições econômica-financeiras nos níveis descritos anteriormente. Dois maiores representantes desse segmento da sociedade são a Vale e os bancos, o que torna pertinente a pergunta: como pode “alguém” abençoar e – por isso – desejar a manutenção no poder a quem o derrotou e tomou seu lugar?.
Alguém, fiel à doutrina cristã (justamente por isso) poderia afirmar que os inimigos devem ser perdoados, como ensinava Cristo aos seus seguidores que ao apanhar em uma das faces, em sinal de perdão, oferecesse a outra, selando a paz.
Seria isso que ocorre mundo afora, sobretudo em Belém sob a bênção da Virgem de Nazaré? Sendo assim, por que ambas correntes não conseguem convencer os belenenses a seguirem seus exemplos e comungar da paz, ao contrário do ambiente de desamor e guerra que paira por sobre a cidade? Talvez a ciência possa explicar esse bizarro fenômeno que, pelo que aqui ocorre em termos de violência, em geral, contrastando à paz selada entre os antes adversários, coloca-nos em destaque nacional e até mundial.
Aliás, ciência é algo que parece alheia à cidade, pois como pode um processo de evolução, de desenvolvimento com o uso dela (ciência) são ser perceptível para amparar o grosso da população? Sim, porque Belém, como capital de um estado riquíssimo, ainda padece de coisas que há muito deixaram de ocorrer em locais apoiados por essa magnífica “ferramenta” humana, como é a ciência, “crescendo como rabo de cavalo”, ou seja, para baixo, numa expressão do jornalista Lúcio Flávio Pinto?!
Ou será que se pratica pseudociência por estas bandas? Pois como pode o mundo correr para se adequar às “regras” da natureza enquanto Belém, ao contrário, busca um padrão arcaico de cidade, com o esgotamento das vias de transportes com o absurdo aumento de veículos circulando, com o escoamento das águas pluviais e domiciliares em esgotos a céu aberto sem o tratamento, para reaproveitamento do precioso líquido lançado neles etc ?
Ou seja, encravada na região amazônica, Belém poderia ser referência, para o mundo, de cidade mais adaptada à natureza num claro entendimento que ciência é sua linguagem refinada e, portanto, se comportaria como produtora e praticante de conhecimentos novos a partir dessa condição e posição geográfica – coisa que não ocorre. E – o pior – a concepção que Belém “é a terra do já teve” tende a mantê-la como algo que não se desenvolve (ou não pretende tal coisa), pois tudo aquilo que é tido como perdido são coisa que nunca foram suas genuinamente, originais. São cópias impostas de culturas que não se sustentam justamente porque a matriz (colonizadora) dissemina concomitante a isso, certamente de maneira proposital, também a fraqueza de personalidade alimentada por um tipo de caráter que preza a subserviência, suficiente para fomentar a mentalidade saudosista, logo, escravista.
Assim, a ciência que poderia ser a diferença para sanar problemas históricos, se houver, tende a estar confinada em instituições que as aplica para a formação de uma mentalidade que tem por objetivo manter o status quo, fomentando uma cultura que desconhece as reais qualidades da região. Ou seja, não há pensamento crítico, o que produz uma pasmaceira, um estado de prostração bem observado pelo jornalista Lúcio Flávio Pinto (LFP).
Um excelente exemplo disso, seria a realidade (cultura) que rende culto a Minotauro que nada mais é que a valorização da pecuária em detrimento da piscicultura em uma enorme bacia hidrográfica e riquíssima fauna aquática que seria a base da produção de alimentos dos belenenses, em particular, e paraenses, em geral. Esse tipo de cultura é tão nociva que, ao invés de haver a valorização da produção e sobretudo o consumo de pescado, o que se vê é o aumento de áreas para pecuária bovina, com a alarmante relação de cerca de 3 cabeças de gado para cada habitante do estado e onde rios são aterrados para construção de pastos, numa profunda desconsideração com as características amazônicas, as quais o belenense certamente é fiel depositário – característica escamoteada por algo incorporado como folclore da região, como o Boi Bumbá, por exemplo, o mais destacado representante da “minotaurocultura”, o que deveria ser observado (e ter seu impacto minorado, pelo menos) pelas cabeças ditas pensantes e consideradas paraenses da gema, concentradas na capital, mas que, infelizmente, não acontece, fazendo com que Belém permaneça resignadamente na faixa intermediária, como citado anteriormente, ao invés de superá-la e sugerindo também que todo conhecimento (ciência) é refém e está a serviço da igreja e do capitalismo na divulgação de suas ideologias.
É por isso que em Belém, rumo aos 400 anos, se assiste a agressão e ameaça de morte a quem torna público a verdade, ocorrido com LFP; onde criança com cerca de dez inocentes primaveras é acusada de seduzir e se aproveitar de adulto com idade superior cerca de cinco vezes a sua, com sólida carreira empresarial e formação superior, além de experiente político profissional; onde logradouro público deixa de ser homenagem a personalidade da terrinha, como no caso da ex-av. “Dálcídio Jurandir”, inaugurada no governo de Ana Júlia Carepa, para homenagear algo que vem de fora; onde a maior autoridade municipal, atualmente, foi um falso médico, sugerindo que ela (Belém) se assemelha a um risível protótipo do nada, por se situar entre o céu e o inferno, ainda que seus supostos frequentadores não possuam discernimento suficiente para não se deixar dominar por tais ficções que servem a seus supostos líderes, cada qual caridosos com os seus. Caridade, que, aliás, situa-se (e nutre-se) entre a miséria e a hipocrisia.


Luiz Mário de Melo e Silva
Coord. do Fórum em Defesa do Meio Ambiente de Icoaraci (FDMAI).
luizmario_silva@yahoo.com.br